SER AUTISTA


É frequente ouvirmos referir como autista qualquer pessoa que não consegue comunicar, com a sua envolvente, e vive mergulhada numa interioridade alheia às transformações de um mundo do qual não participa de forma integrada.
Vimos a cada passo este conceito ser aplicado a figuras do governo, ao próprio governo em si, para significar que existe um mundo interior que isola e fecha portas ao ser social que procura na convivência com os outros evoluir e atingir estádios superiores de maturidade.
Visto deste modo o autismo tanto poderá significar uma postura como uma diferença mas o que é realmente um autista? Que factores patológicos estão subjacentes a esse mergulho que alheia a pessoa do seu mundo afectivo e do seu habitat de referencia?
Como é possível a um autista sobreviver num mundo que não compreende mas que também não o entende a ele?
Como viverão as famílias dos autistas em países impreparados para a diferença, demasiado padronizados e estereotipados para apreciarem o que foge aos seus conceitos sobre os atributos valorativos?
Que oportunidades poderá ter um autista real num país de autistas (figurados) a nível de percursos, de instituições e de realizações de vida?
Como viverão os pais dum autista que requer cuidados redobrados, aprendizagens contínuas e uma interacção permanente com os vários organismos que poderão dar apoio a necessidades que estas crianças/jovens requerem?
Terão os pais vida para além do apoio aos filhos? Ficar-lhes-á algum espaço e alguma liberdade para si próprios?
Se o autista sobrevive à morte dos familiares, qual será o seu futuro? Haverá vida possível?
Efectivamente o autismo ainda é pouco discutido em Portugal e, de uma forma geral, mesmo as pessoas mais esclarecidas têm muitas dúvidas sobre esta patologia.
O autismo atinge crianças de tenra idade, que não possuem defesas psíquicas para se defenderem e poderá ser definido como um transtorno do desenvolvimento em que o cérebro é afectado na área da interacção social e de habilidades de comunicação, sendo quatro vezes mais frequente nas crianças de sexo masculino.
A maioria dos autistas vive num mundo à parte, interagindo com o imaginário dum mundo criado e recriado introspectivamente, alheio a influências e a transformações.
Existe um deficit permanente de apoios especializados que permitam, através de acções formativas, obterem alguns resultados a nível de auto-suficiência, sobretudo nos casos mais graves.
Enquanto algumas crianças, apesar de autistas, apresentam inteligência e fala intactas, outras têm atraso mental, mutismo ou dificuldades ao nível da linguagem. O mais recente rastreio revela que, uma em cada mil crianças portuguesas, sofre de autismo. Porém, pelo desconhecimento que os pais têm sobre a patologia e a falta de centros especializados na detecção e no acompanhamento da mesma, estas situações são geralmente identificadas tardiamente dificultando e retirando possibilidades de melhor integração para a criança.
Impõe-se por isso uma maior divulgação sobre esta matéria não só para conhecermos o mundo em que vivemos, que não é só composto de padrões e regularidades, como também para interagir com amigos conhecidos ou familiares que estejam afectados pela doença. Doença que muitas vezes é confundida com esquizofrenia, mongolismo e outras patologias de foro neurológico e/ou psiquiátrico mas que, na realidade, tem características e especificidades muito próprias.
Lídia Soares